segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Gociante Patissa



POESIAS DE GOCIANTE PATISSA

Benguela


Na teoria do resultado

O reencontro
mesmo com a prisão
Molha
na largura dos olhos
o barro p’ro novo sol
Não tem pernas o tempo
seriam longas
ou curtas
demais.





Umbilical pára-quedas

Se voar é de asas abertas
Em replay põem-se a nu as cicatrizes.
Tudo é nada mais senão o vento
que faz assobiar e sublima cantos
tocar o céu pelo penteado da montanha
até ceder à lei de gravidade
Houve sempre uma mão
houve sempre uma mãe.

(à camponesa Emiliana Chitumba Gociante, minha mãe)





Rastos na linha do farol

Reincidente olhar inquieta-se
à volta do pingo de luz
aquele tímido ponto veludo
quando o céu todo é negra nuvem

Aquela luz
para lá do mar
útero da mesma aragem
que outras velas vai apagar
ainda há-de ser minha
antes que caia do céu a manhã e o fim do cenário
ou façam-me tudo então
menos perdoar.



África mãe zungueira


Esta que se aproxima
carrega uma criança às costas e outra no ventre
uma nuvem húmida rasga-lhe a blusa
lembrando que é hora de parar e amamentar
e lá vai ela seguindo o itinerário que a barriga traçar
gestora de um ovário condenado a não parar
porque é património social
penhora o útero na luta contra a taxa de mortalidade
Conhece bem demais a cidade
não tanto pelos monumentos
mas pela necessidade
viandante como a borboleta
fez-se fiel e histérica amante
da lei da compra e venda de porta à porta
uma lei entretanto não prevista por lei
“depender só do marido? Nunca”
mal acordou a urbe já peleja aliciando clientes
no estômago só o funji do jantar de ontem
sem tempo sequer para escovar os dentes
Lá vai mais uma dobrando a esquina
de pregão firme como a voz do tambor
humilhada aos poucos pelo sol
nos mapas de salitre da poeira que adormeceu no suor
Forte por fora muitas vezes vulnerável no íntimo
veja esta
nos olhos encarnados grita despercebida
uma mulher mal amada
nunca descoberta
rainha de etapas queimadas
ele que devia ser companheiro
é de se esconder no copo
quando os ventos são ásperos
em taças de champanhe
não estar disposta para mais um suor sagrado
é para ele frontal apelo à violência
habituada a levar da cara
odeia a sinceridade do espelho
Por aqui passou mais uma profissional da zunga
protagonista anónima com mil mestrados da vida
contudo não contada na segurança social
para o turista uma espécie de paisagem
rosto de uma noite que lançou a mulher
às avenidas dialécticas dos centros urbanos
dever de sustentar a sociedade
a mesma que a condenará antes de amanhecer
por não participar da vida política
ou por não saber ler
nem escrever






Tríade da pedra do tempo e da obra
Na madrugada
acelera-se a pulsação
no movimento irreversível do tempo
os fantasmas da responsabilidade cantam
ecoam as lembranças
é a despedida do repouso

De dia
o suor espalha-se
pelos poros afora
na orquestra de quem trabalha
estradas rasgam-se na curva dos seios
na nudez do arco-íris
a vida é infindável caminhada

De noite
o corpo exausto cobra pelo descanso
os olhos carregados enganam as almas
que adormecem masturbadas

Ontem foi partida
hoje é caminhada

e o amanhã uma promessa ainda.

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