quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Amores Trágicos


Conta uma antiga lenda grega que em uma caverna escura Eros, o deus do amor sensual, deixou cair suas setas em meio às de outro deus, Thanatos. Ao recolher, algumas das flechas de Thanatos foram pegas por engano e algumas das flechas de Eros ficaram com o deus da morte. É por isso, dizem, que algumas vezes a morte é abraçada como se fora uma amante, também porque algumas paixões nos dão essa sensação perturbadora de atrair a dor e a morte. A literatura esta cheia delas: Romeu e Julieta, Tristão e Isolda, Abelardo e Heloísa, Lancelot e Guinevere...

Pois a Ana Lúcia lançou um desses poemas que, ao contrário do que mandava Caetano, sabem muito bem pra que rimar amor e dor.... daí que a coisa contaminou o povo e começaram a brotar poemas de amores trágicos, que agora começamos a publicar:
(RMM)







Aporte

Em qualquer porto que se pare
Que se depare, que se separe
Mãos ávidas por um afago, um aceno.
De pronto ,mais que um encontro
Um abraço , um laço, num traço de espaço
Beijos sedentos , roubados ou tímidos.
No jogo de corpos sensações reprimidas
Saudades compostas de tantas partidas
Exílio de corações chorosos ,sofridos
Num lapso de tempo jamais esquecidos
Lembranças de amores talvez, mal vividos.

(Ana Lúcia Souza Cruz)





(imagem: Orpheus and Eurydice , de Brian Fischer, disponível em http://www.brianfisherblog.com/2011/09/orpheus-and-eurydice.html)


eu orfeu


I

estaria morto aquele amor morto morto morto
seria possível que tanta doçura perecesse
nunca nunca nunca mais ressoava rapinante revoada
enquanto eu repassava passos que pisara no passado

mulher teu cheiro teu leito tuas carícias me foram porto
lugar de abraço beijo toque cheiro carinho sabor de doce
da carne receptiva e úmida pode restar somente nada
lembro detalhes som toque textura gosto sexo orvalhado

de sentir tão perto e saber tão longe me perco desespero
desperto de teu abraço morno em sólida solidão
sou de novo só sem ti partiste eu sem minha contraparte

desgraçada amada maldita querida puta santa odeiovenero
sem ti esqueço a louça não puxo descarga desvejo televisão
só choro e canto tua memória pelos cantos porque vivo arte


II

desço desço desço desço cada vez mais dentro e fundo
sinto que só lá no mais baixo fim poderei resgatar e reviver
o sentimento que tenho de ti e aquele que sentes por mim
desço desço dentro fundo baixo à raiz de toda emoção

o tempo todo canto o canto de meu pranto enquanto ando
cruzo o rio de lágrimas contidas e o planalto medo de sofrer
pago o cego barqueiro passo o tricéfalo que guarda o fim
e finalmente encanto com meu canto o senhor da escuridão

peço o resgate da alma amada aquela que me inspira a arte
expressão carnal da musa cheiro que ainda adoça narinas
que possa outra vez tocar teu toque trocar calor tua pele

meu canto sentido lacrimeja o tenebroso que diz parte
te seguirá aquela que me lembrou primavera menina
mas não torna a olhar pra trás nas trevas que já foram de cibele


III

subo subo sempre semblante voltado à senda ascendente
busco luz após descer às trevas procurando paixão já morta
todo o tempo atento som às minhas costas ouço silêncio
onde riso voz toque cheiro onde mulher fruta madura

silêncio silêncio às minhas costas (onde estás presente)
prossigo a escalada (tu quieta muda calada) longe a porta
pedra desprendida à minha passada avalanche soa no vazio
cataclismo às minhas costas (sobrevive alguma criatura)

meu olhar volta sem pensar aos passos que pisei a pouco
onde pisa agora a amada branca estátua parada paralisada
sem calor sem odor sem seda da doçura restou somente sal

o que era prazer tesão realidade arrancada de sonho louco
agora é lagrima seca pesadelo pesado de perda pó nada
amor sem retorno passado sem futuro memória que faz mal

Porto Alegre, 31 de agosto de 2009
(Renato de Mattos Motta)



Impróprio amor

Andado pela vida não tive muitos amores.

Quando parei de andar amores vieram me achar
Em repentinas escalas eu os tive de deixar
E em outras paradas um amor eu tive de buscar
De porta em porta eu tentei te achar

Mais meu primeiro amor de parada
Em uma porta de carvalho se fechou
O dó de mim, que sem meu amor fiquei
Encontrá-lo agora eu não mais conseguirei

Pois de um grande amante apaixonado
Virei um vilão desalmado
Que de parada em parada
Contorce seu coração vazio e desolado..

(Jorge Augusto Goettnauer)




Tormentas e vicissitudes...

Lastro de holocausto, ilude!
Meandros de fel, meados de mel...
O amor insurge...
Nas bordas, no inicio de um céu...

Camada de ozônio se estreita...
O amor é raio, é trovão!
Amor, tempestade à espreita.
Tornado que devasta coração!

Cataclismo, vicissitude...
Vísceras na dor expostas;
devoradas por um abutre,
que captura a presa pelas costas...

Tsunamis de pássaros atordoados,
embriagados pelo medo do desejo...
Todos são abocanhados
pelo ardor de um eterno beijo...

A esperança ressurge... num mastro...
O amor se lança, à onda cinzenta...
Navegante, deixa a dor um lastro...
Descontrole mareado, tormenta!

E o amor ilusiona o Mágico...
Pensa ser salvação, mas se descobre dor.
Todo fim é trágico...
... Quando se acaba... é amor!?

(Luana Lagreca)





PUNHAL

Uma a uma,
todas as máscaras caem.
E a verdade... dura... crua...
despe-se lentamente (ou não)
frente aos nossos olhos incrédulos,
anuviados de uma ilusão caótica
que teima em maquilar velhos sentimentos.

Uma a uma,
face a face,
revela-se num descaso tamanho
e num aço fino e cruel,
que chega a adentrar a carne
na busca de um sangue ralo
que escorre por entre um mundo
ilustrado em cores irreais.

Uma a uma,
máscara por máscara,
de decepção em decepção,
as páginas de um velho romance
escrito em matizes de amor
são arrancadas, brutalmente,
levando em cada uma um momento,
um beijo,
uma palavra,
um enredo,
deixando no seu vazio somente...
um punhal...
chamado decepção!

(Catarina Maul)




Devaneios de dor

Você me D E S T R U I U!
Despedaçou a minha alma e,
depois com toda a calma
a varreu

Varreu, como se fosse sujeira,
pra debaixo do tapete

Nem mesmo meu orgulho me faz companhia
me despi de tudo!
Rompi minha alegria
em meu mundo não existe mais a luz do dia

Me sinto nu!
nu de sentimento,
nu por dentro

Por que não me cravastes o punho ?
Fizestes do meu amor, aquilo que com ardor
tanto conquistei,
Lixo !
Sujeira da surrealidade reprimida
da ilusão que até então rompida,
me rasga todas as "manhãs de noite"

Agora, me calo!

(Diogo Marcello)






DOSES


Brindou à amada
E, sereno,
Bebeu o resto do veneno.

(Edweine Loureiro)







AGENDAMENTO

Vamos adiar a vida um tempo
Armazenar a felicidade
Embrulhar com plástico bolha
E colar etiqueta de FRÁGIL.
Vamos deixar num container
No Porto da Praça Mauá
Mas nesse tempo de armazenamento
Fica proibido chorar.

Vamos armazenar o ar, o sorriso
O suposto paraíso
Que, mediante taxa paga, poderemos resgatar.
Vamos adiar a vida um tempo
Como se não fosse a própria vida o tempo
Mutante, mutável, com hora para acabar.

Vamos armazenar o amor um tempo
Mesmo correndo risco de vê-lo evaporar.

(Catarina Maul)







Lenda do amor trágico

Se Deus Eros aqui estivesse
jamais ia pensar em deixar
suas flexas caírem no chão
para aqui tal confusão causar.

Encantado do amor sensual
viajo nas curvas do seu corpo
sinuosas, tem dom de iludir
um descuido Thanatos se faz porto.

Um engano marcou toda a vida
um duelo de amor com a morte
que sempre seduz ate fascina.

Leva a jogar com a nossa sorte
o doce amargo dentro no ser
será mesmo, o amor morreu?

(Rodolfo Andrade)

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