segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Contraste Social





Não há como  fazer poesia somente de coisas bonitas. Apesar de nós, poetas, tentarmos manter em nossos corações sentimentos iluminados, nobres, as cenas e paisagens que povoam nossas vidas nem sempre são coloridas como a idealização que fazemos do mundo. Por isso, nem sempre as poesias são também felizes.

A desigualdade de oportunidades, o desparate entre as realidades do mundo, as dores que povoam a vida dos mais fracos e menos assistidos também nos são motivo para comoção e poesia.

Quiséramos, alem de versos,  promover ações concretas para  transformar o que tanto nos incomoda, embora qualquer incômodo seja sentido em muito maior escala pelos que o sentem na pele, na alma, no destino.

Depois de escrever tais poemas, nos veio a indagação tão urgente do que podemos fazer para contribuir  com a diminuição da desigualdade. Apesar de "formiguinhas" num mar de tristeza e problemas sociais, vamos tentar.

Ficam aqui as poesias, mas prometemos não ficar somente nelas.


ANJOS

Enquanto as crianças brincavam e corriam
Com entusiasmo e alegria,
De longe, sempre de longe,
Outros pequeninos olhavam todos os movimentos,
Como se fosse possível através daqueles olhos tristes,
Aprender a ser feliz, a ser saudável e ser amado.

Eram anjos maltratados...
...Que dormiam mal quando podiam,
...Que comiam mal quando podiam,
...Que se abrigavam mal, quando podiam
se abrigar do frio cortante!

Anjos:

Que todos os dias nos oferecem crescimento
E nós nem sempre ou quase nunca aceitamos.

Sujos anjos:

Que carregam em seus ombros,
Todo o peso da desigualdade social
E encardem em suas peles e vestes
Toda a sujeira da nossa omissão.

Paulo Roberto Cunha
Petrópolis - RJ


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Ela

Parada na esquina ao luar
Com a beleza um tanto vulgar
Quem sabe senha proposital
Um destaque pra não ser igual

E na noite, nascente do frio
O trabalho que é dito vadio
Traz na alma um grande vazio
No teatro das gatas do cio

Cansada por noites viradas
Com suas partes tão avaliadas
Recebendo de estranhos carentes
Seus carinhos iguais e frequentes
Ou brutais.... gestos inconsequentes

Tramas variadas
Idas e vindas
Em mentes tão lindas
Às vezes dementes
Vidas delinquentes....

E ganhando por tal triste via
O pão nosso de cada dia
Ainda ouve,
Quase diariamente
E há até quem ouse
Falar pela frente
O erro frequente
Denúncia vazia
É sempre chamada
,mas nunca amada,
Dê, mulher vadia....

Mas dentro dessa vida insana
Tal vadia a ninguém nunca engana
Restringindo o não permitido
Cobrando o trabalho fingido
Negocia por todo o pedido
Essas leis ela nunca profana

É assim que ela tanto trabalha....
Vai pra a luta!!!!
Labuta sua Puta,
e não falha....!!!!
Está sempre sozinha e carente?
Nunca pode mostrar-se doente?
Só se agarre no Deus que é crente!!!!
Vista a fé pra usar de navalha....

E o que ganha em penoso trabalho
Sem repouso e com pouco salário
Qual galinha que vive reclusa
Junto à outras num grande viveiro
Recebendo do outro o seu milho
Que a empresta, e a seu corpo usa
E a enfesta
Gente que não presta
Tornando obtusa
A mulher de festa
Qual vaca em celeiro
Recebe da vida
Recebe a comida
Recebe o dinheiro
O sabugo dos milhos
Sustenta seu filhos

Já se sabe o porquê. Ela aguenta
Tal trabalho e porque não se atenta
Afastar de penoso trabalho
Ela odeia, é fastio ao caralho
Não se afasta
Noites de tormenta
Não dá basta
Nem ao menos tenta
Se soltar, se afastar desse fardo
É criar o seu filho bastardo

E assim precisando duas caras
Uma à noite, a mais bela é às claras
Vai seguindo sua vida que ruma
Numa Dama duas faces em uma
E sempre
Que mente!
Acha que nunca presta
Mas de muitas....
Ah! Rimas fortuitas
A única honesta!!!!

Chico Carranza
São Paulo - SP


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Até quando??

Tanta impunidade,não dá pra relaxar
Sangue,dor,gente armada...
Vontade de recomeçar...
Dobro uma esquina é pedinte,dobro outra é o crack!!
Ando mais e me deparo com o monstro da impunidade
Ele ronda,nos assola...
estupra,golpeia
esfola!!!!
Tira-nos do caminho seguro,
faz-nos crer na desesperança
Rouba a paz e a justiça
Finaliza toda bonança!!
Começa o medo incessante
A história do"não há solução"...
Não há? Ou há?
Tem que haver!!!!!
Haver mais amor...onde há tapa certeiro no rosto do inocente.
Olhar compassivo...e não palavras carregadas de ódio e rancor.
Alegria de viver...mas o que sentimos, é o cheiro da morte que insiste em rondar nossas esquinas!!!

Fernanda Forster
Petrópolis - RJ


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Passageira...


Cá estou eu
Sentada...
Passageira...
Olhando...
E, por cima de meus ombros numa letargia que me incomoda...gostaria de poder externar a profunda dor que me abrange , pois a percepção e visão não me são suficientes.
Nada faço...
Apenas olho...
A solidez e a petrificação de sentimentos e sonhos são latentes.
Humanos-Robôs/ Robôs-Humanos
Quantas transformações lhes foram impostas!!
Cabisbaixos seres, caminhantes...
Procuram a pedra que irá lhes trazer de volta à realidade criativa e criadora desses seus mundos...
Apenas olho e nada faço.
Cruel que sou!

Ana Lucia Souza Cruz
Rio de Janeiro - RJ


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Poema Marginal

Estabelecida a sentença
Réu primário de mãe solteira
Tendo na vida descrença
Vivendo-a de brincadeira

Numa roleta russa constante
Prefere viver os seus dias
E asssim prossegue distante
Num mundo de fantasias

Hora em uma nova droga
Outras num copo de cachaça
Suas mágoas ele afoga

Mal sabe esse belo rapaz
Das grandes alegrias da vida
Por não querer vivê-la em paz

Alex Avena
Petrópolis - RJ


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Tinha muito pouco
Início de um grão de memória...
Não tem nome
Garoto que dorme
Dentro de meias (usadas)palavras.

Viu um graveto
Cujo nome é fogo de queimar...
Pensou na sua vida
Como um jogo
De pulsões violentas,
Pensou no ranger dos dentes
Quando tinha uma crise.
Por outro lado via na Tv
Um maestro ranger uma orquestra,
Seu corpo vibrava tanto
Quanto, quando usava seu estilete.

Fernando Sousa Andrade
Rio de Janeiro - RJ


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Baiano preguiçoso

Dizem que baiano é preguiçoso
Mas eu moro na Bahia
E minha vida é só correria

Todo dia soo a camisa
Pra construir a casa do doutor
Quando levanto o sol nem raio
Como o pão que o diabo amassou

Faço a cesta básica no inicio do mês
A fome me acompanha
Dela já sou freguês

Minha nega prepara a marmita a noite
E meio dia eu como comida fria
De quente me basta o sol
Que trata o couro com açoite

Quando chove meu barraco só falta cair
E enquanto tira aguá de dentro
Minha nega consegue sorrir

Sou negro, e não sou encardido ou imundo
Mas o doutor tem nojo de mim
Me olha torto, cheio de autoridade
Deve me achar o pior ser do mundo

As vezes choro sem a nega saber
A verdade é que nunca tivemos chance
De mudar e vencer

Nosso erro foi ter habitado uma barriga pobre
Ter nascido no corredor do hospoital
E nossos antepassados
Terem sido escravos de nobres

Nosso erro é ter a maior população negra do país
Ter orgulho e força pra lutar
Ter vontade de ser feliz

Nosso pecado capital
Nem tem capital algum
Falta capital pra mim nessa Capital
Falta-me ser tradado como igual

Dizem que baiano é preguiçoso
Mas eu moro na Bahia
E minha vida é só correria

Leila Maria
Cruz da Almas - BA


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A subnutrida esperança

Marchando pelo solo arenoso
Em passos de despedida funesta
Sob o sol cruel, vilão e tenebroso
Ia a família com suor na testa

Mais esquálidos e subnutridos
Que a derradeira esperança
Sangravam os pés doloridos
Da pobre e andrajosa criança

Na frente rumava a cachorra
Que um dia trouxera felicidade
Na xícara quebrada só restava borra
De um café catado na última cidade

Vida cruel, lugar ruim e miserável
Pobreza maldita, sujos e pegajosos
Por culpa de um alguém detestável
Definhavam como cactos espinhosos

Tão secas como aquele nordeste
Eram as bocas dos maltrapilhos
Que pelo barro fétido do agreste
Viam morrer de fome os seus filhos

Feito abutres comiam os restos
Putrefatos na beira da estrada
Poderiam morrer, mas eram honestos
A lua era a lâmpada mais iluminada

Vida desgraçada dos retirantes
Se é que aquilo pode ser chamado de vida
Valentes, guerreiros e suplicantes
Eram a escória, gente não compreendida

O único direito legal era sofrer
A condição de ser humano não se aplicava
Era fugir da terra ou morrer
A subnutrida esperança era o que restava.

Filipe Medon
Petrópolis - RJ


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Diga não à desigualdade social,
Na minha tribo o doutor
Não é melhor que o analfabeto,
O preconceito racial,
Não existe no meu dialeto...

Felipe Quirino
Rio de Janeiro - RJ


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Se... pára a ação

Triste fico, com os ingratos
Que desfrutam o conforto
Proveniente dos mais fracos

Triste fico, com os apáticos
Que continuam como estão
Os falsos democráticos

Triste fico, com os egoístas
Dizem que está tudo bem
Lá de suas ilhas paradisíacas

Triste fico, com os racistas
Julgam cores, tipos e formas
E criticam os nazistas, fascistas

Triste fico, com a discriminação
Algo que jamais deveria existir
Sangue vermelho, bate no coração

Triste fico, e com muita razão
Estas coisas são futilidades
E só causam frustração

Separação.

Janaina Barroso
São Bernardo do Campo - SP


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TEORIAS VAZIAS

Não sou muito falante
Me reservo ao direito de calar
as vezes me deprimi ver pessoas a filosofar.
Não defendo teorias que não posso praticar
Já vi muito por aí...
Teorias lindas, dizeres profundos, leio por toda parte
O que não vejo com frequência
É tratarem o “outro” como uma obra de arte.

Tania Montoya
São Paulo - SP


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Eu sou garoto travesso
e não respeito a ninguém.
Também, neste mundo avesso,
ninguém nunca me quis bem!

O PIVETE

se vai o pivete, maltrapilho,
procurando um lugar na multidão.
Do destino, levado pela mão,
pois da mãe natureza é rude filho.

Nunca teve um amigo que seu trilho
procurasse livrar da escuridão.
Desde cedo ele luta pelo pão, 
no caminho do vício e do gatilho.

Mas seu crime maior foi ter nascido
numa terra de omissos perfumados,
onde amar não é verbo conhecido,

onde os fracos são sempre superados
pelos fortes, de modo embrutecido
que causa a reação dos rejeitados.

Gilson Faustino Maia
Petrópolis - RJ


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 Navalha mendiga

Na busca da esmola
Pé atolado de cidade
um balé desregrado
Me calibro com a dança

Usando-me de versos emprestados
como se de posse dos meus não tivesse
pois gravados no cassete
já não consigo reproduzir meus estados

e imitando em formatos descabidos
que nem sempre soam bem aos ouvidos
tento engolir estradas aos montes
e ponho sal no café

E ligando um sonar destoante
a concentração se distancia
a canção vaga longe no beco
de um bend sem saída

Ofegante onda em ação
e moeda dura que cai na chapa
Morena moreia carregava peso
Navalha mendiga que alimenta e mata

Renan
Petrópolis - RJ


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claustrofobia pressão
produzir produzir
rapidez rapidez

a solução
virou depressão

:produziu o capital
a recessão
a desigualdade

:"o tiro saiu pela culatra"

Rosana Banharoli
Santo André - SP


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Brilho opaco

Sua vida era surpresa
viveu e sempre sentiu o medo
mas a maldade era latente em si
o que para os outros era segredo.

Satirizava quase tudo
como era bom poder iludir
somente o dom de sonhar
dele não podia fugir.

O moleque também é criança
agora vive do mal: revoltado,
joga bola de gude, solta pipa
mas um dia seu cristal foi quebrado.

Como queria poder regressar
e fazer o tempo retroceder
para poder entender a maldade
e faze-la de si se perder.

Sobre às nuvens poder andar
para realmente ser gente
do valentão que é criança
criar uma nova semente.

Fazer voltar o brilho forte
que reluz dentro da mente
mas a dor será a mesma
pois cristal quebrado som diferente.

Rodolfo Andrade
Petrópolis - RJ


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Balada dos excluídos

Quero cantar ao som do violão vagabundo
a intolerância e a incompreensão desse mundo
o meu último derradeiro infindo lamento
o grito louco de um torturante tormento

A voz rouca de quem nasceu do submundo
o canto gritado, desafinado, imundo,
de quem viveu a vida preocupado, atento
daquele que jurou e viveu do juramento

Porque importar-se com alto preço do pão,
do feijão, da cachaça, da calma, da vida?
Para eles não há nenhuma preocupação.

Enquanto minha voz tremidamente tímida
agoniza ao som do vagabundo violão,
a morte surge em seu manto preto ungida...

Sutil, desejada, amada, viva!

Henrique Veber
Canoa - RS


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Confissão (real)

Paro meu carro no sinal
em meio a corrida dos meus compromissos
(supermercado, evento, produção)
absorta em meu mundo de ilusão
perdida em pensamentos quase omissos.

Remexo a carteira, minha Mont Blanc
com que assino cheques vem à mão.
Pego o cartão de crédito,
vejo a fatura... dia de vencimento.
- É preciso passar no banco,
fazer o pagamento.

Aumento o som!
No espelho retoco o meu batom.
Penso no almoço, cardápio farto:
- Vou fazer hoje camarão!
Quando em minha janela do carro
me despertando do meu mundo bizarro
a realidade vem em minha direção.

- Duas paçocas, um real, patroa!
Preciso alimentar minha família
o desemprego me pegou,
estou sem trilha!
Me diz um rosto sem mocidade,
nas mãos com rugas a caixa de doces
presa por dedos velhos,
marcados pela crueldade
de um mundo sem esperança e sem futuro.

Olhos sem vida, olhos sem felicidade,
pele sem viço, vício de viver na honestidade
juntando os trocados do doce de amendoim
para ter uma féria ao final do dia, menos ruim.

Do meu carro,
sinto certa vergonha de merecer algum privilégio
ter rodas pra me levar
quando um mundo leva correntes nos seus passos
quando alguns contam reais em moedas
e eu uso meu “especial” para sanar buracos.

Sinto a dor do meu semelhante
e fico sem saber o que fazer por um instante
enquanto compro o doce honesto
de alguém que como eu,
simplesmente,
sem escolher como e onde, nasceu!

Abre o sinal, sigo meu caminho
Na boca o doce soa amargo
Desligo o rádio, a voz embargo.
Meu dia torna-se cinza
Me envergonho de quem sou
Impotente, solitária
Nessa guerra desigual
Da injustiça social.

E por mais que eu faça
É sempre menos do que necessário
Para sanar o déficit
Desse mundo tão ordinário
Onde tão poucos são os privilegiados.

Estaciono o carro!
Só Deus para sanar a dimensão
De tanta diferença...
Eu, mortal e pequenina,
Medíocre, ignorante,
Desconheço a explicação!

Catarina Maul
Petrópolis - RJ


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Paisagem
Contemplo a paisagem;
Não me causa admiração,
provoca-me dor!

Não vejo uma montanha,
não vejo uma cachoeira
ou o céu enluarado.
Vejo dor...vejo fome...
desesperança.

Paisagem degradante!
Reluto em não contemplá-la.
Impossível!

Encontro-a na esquina,
no semáforo, nos noticiários...
Paisagem social !

Silvana Gonçalves Luiz
São Paulo -SP


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2 comentários:

Tania disse...

Ficou muito lindo seu poema. Parabéns!

Henrique Veber disse...

Muito bons os poemas! Mal entrei no grupo, e já tenho um poema publicado no blog... obrigado queridos!